O presidente está bem e se recupera rapidamente de emergência médica. Mas terá que enfrentar discussão permanente sobre suas condições físicas

Quando disputou a sucessão presidencial em 2022, Luiz Inácio Lula da Silva disse mais de uma vez que, caso vencesse, não tentaria a reeleição. Logo após assumir o cargo, no entanto, passou a considerar a hipótese de ser novamente candidato se, em 2026, ele ainda for o principal nome para “enfrentar a extrema direita”, como se referiu ao ex-presidente Jair Bolsonaro e seu grupo em entrevista à jornalista Christiane Amanpour, da CNN International, em novembro. Mas em vários momentos condicionou a iniciativa de tentar um quarto mandato ao desempenho de seu governo e, principalmente, às suas condições de saúde — aos 79 anos, ele é o presidente mais velho em toda a história do país.
A maioria dos brasileiros certamente se lembrou disso quando, na madrugada de terça 10, ele foi levado de Brasília a São Paulo por causa de uma emergência médica. No Hospital Sírio-Libanês, foi submetido a uma cirurgia para conter hemorragia intracraniana decorrente da queda que sofrera em casa no dia 19 de outubro. O procedimento foi bem-sucedido, mas uma nova intervenção, menos complicada, teve de ser feita na quinta 12, para bloquear o fluxo de sangue em uma região do cérebro. Caso a recuperação ocorra conforme o previsto (os prognósticos médicos são bastante otimistas quanto a isso), a previsão é que o petista volte a Brasília e retome o trabalho em poucos dias, mesmo que de forma gradual.
Qualquer problema mais delicado de saúde de um presidente gera naturalmente uma onda de apreensão no país e, no caso de Lula, não poderia ser diferente. Ocorre que a situação dele trouxe componentes adicionais de preocupação, devido à liderança que exerce no governo e na esquerda do país. Aliados, em especial no PT, passaram a discutir nos bastidores a necessidade de construir, de forma mais sólida, alternativas a Lula para a sucessão. Outra preocupação é reduzir a dependência do governo da atuação direta do presidente, em especial na articulação com o Congresso. O problema ficou exposto na véspera da emergência médica, quando Lula teve de liderar tratativas com os caciques do Congresso para liberar um pagamento bilionário de emendas e destravar a votação do pacote fiscal. Horas antes de passar por uma cirurgia, mesmo bastante incomodado com uma forte e persistente dor de cabeça, Lula tentou mostrar descontração. “Ele ficou brincando comigo, até me convidou para jogar uma pelada na Granja do Torto”, relata o senador Otto Alencar (PSD-BA), um dos líderes do governo na reunião.

A dependência em relação a Lula, tanto do PT quanto do governo, é consequência do estilo do presidente. Centralizador, ele sempre alimentou em seu entorno a expectativa de que ele, apenas ele, resolve os problemas. Além de ser quem dá a palavra final nas disputas entre ministérios, é o único em que confiam aliados de siglas longe do petismo como PP, União Brasil, Republicanos e PSD. “O ministro da Casa Civil não articula nada. Não lembro de outro ministro da Fazenda que tivesse uma falta de credibilidade tão alta no mercado”, disse um cacique reservadamente a VEJA, sobre Rui Costa e Fernando Haddad, complementando que a ausência de Lula na negociação do corte de gastos “atrapalha muito”. Aliados dizem que o petista não tem a mesma energia na relação com o Legislativo que mostrou em gestões anteriores, o que poderia fazer com que fosse menos exigido em momentos-chave. “Lula tem que conversar mais com os deputados”, pede o vice-presidente do PT, Washington Quaquá.
Aliados no partido também esperam que ele arbitre a escolha do sucessor de Gleisi Hoffmann na presidência da sigla, em julho de 2025, em favor do prefeito de Araraquara, Edinho Silva, nome da corrente mais próxima a Lula. O centralismo de Lula no PT deixa quase que exclusivamente em suas mãos a tarefa de manter unidas as múltiplas tendências internas. Nos últimos dias, o partido decidiu marcar posição em relação ao governo de coalizão de Lula ao publicar uma resolução com críticas ao corte de gastos, ao comportamento do mercado — que acusa de tentar minar o governo — e ao tratamento dado a outros partidos, chamados de “máquinas municipais de aliados da base, não petistas, e abastecidas com emendas”. De quebra, teve a ideia de apostar na polarização ao convocar mobilização nacional na terça-feira 10, pedindo a prisão de Bolsonaro por tentativa de golpe. O timing não poderia ser pior — com Lula na UTI, as manifestações foram esvaziadas. Na Avenida Paulista, a pregação no carro de som misturou votos de recuperação ao presidente e a defesa do boicote ao pacote de gastos.
O que mais preocupa o PT, no entanto, é outra questão: quem poderia assumir o bastão de Lula caso o presidente fique fora em 2026. O debate sobre uma alternativa, que já existia de forma discreta, ganhou força nos corredores. O nome mais forte é o de Haddad, que foi ao segundo turno em 2018, quando Lula estava preso, mas ele é visto com ressalva por alas do PT. Além disso, seu futuro está irremediavelmente atrelado ao desempenho da economia. Pesquisa divulgada pela Quaest na quarta-feira 11 mostra que, a despeito de bons indicadores econômicos, 68% acham que seu poder de compra é menor do que
um ano atrás — o pior resultado da série. O governo é aprovado por 52% da população e reprovado por 47% — o principal problema citado foi a economia (21%). Outra pesquisa do instituto, feita antes da internação de Lula, mostra que 52% do eleitorado acha que ele não deve disputar a reeleição, contra 45% que diz o contrário.
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